domingo, 30 de junho de 2013

Onde tudo começou?

Pesquisadores identificam característica de célula específica do tecido mamário que pode estar relacionada ao desenvolvimento de um tipo de câncer de mama. Estudo envolvendo células saudáveis buscou explicar como estas se tornam vulneráveis à formação do tumor.       
O câncer de mama, segundo mais frequente no mundo, é alvo de estudos que buscam identificar o mecanismo que torna as células mamárias vulneráveis à formação de tumor. (foto: Flickr/ thamirainbow – CC BY-NC-SA 2.0)
Qual a origem do câncer de mama? Parte da resposta a essa pergunta pode ter sido revelada em um estudo publicado na edição de lançamento da revista Stem Cells Reports, do grupo Cell. Ao analisar diferentes células do tecido mamário, cientistas identificaram um tipo de célula-tronco que possui cromossomos com extremidades curtas e, por isso, é propenso a mutações responsáveis pela formação do tumor.
Cientistas identificaram um tipo de célula-tronco que possui cromossomos com extremidades curtas e, por isso, é propenso a mutações responsáveis pela formação do tumor
A pesquisa foi feita com tecido mamário saudável doado por mulheres que fizeram cirurgia estética de redução dos seios. Dentre as células analisadas estão as basais, que formam a base do ducto que conduz o leite da glândula mamária ao mamilo, e as progenitoras luminais, células-tronco que originam células do ducto.
Os cientistas avaliaram o tamanho das pontas dos cromossomos de cada grupo celular. Batizadas de telômeros, essas extremidades servem para manter a integridade dos cromossomos e diminuem a cada vez que, para renovar o tecido, a célula se divide. Ao longo do tempo, esse encurtamento atinge um ponto crítico e a célula pode morrer ou sofrer mutações no DNA.
Nesse estudo, as células progenitoras luminais apresentaram telômeros mais curtos do que as outras células, independentemente da idade da mulher. Enquanto as basais possuem, por exemplo, telômeros com seis a oito mil pares de nucleotídeos, os telômeros das células-tronco que originam as luminais têm apenas três pares de nucleotídeos em seu comprimento.

Ajuda enzimática

Inicialmente, ter telômeros curtos não é um problema para a progenitora luminal. Por conta da presença da telomerase, enzima que reconstitui as extremidades dos cromossomos, tais células se dividem normalmente sem perder os telômeros. Porém, conforme a mulher envelhece, a telomerase torna-se menos ativa e o cromossomo fica desprotegido.
Segundo David Gilley, coautor do estudo e geneticista da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, cromossomos desprotegidos ficam susceptíveis a se ligar a outros cromossomos. “Essa fusão é tóxica para o genoma da célula e ativa mecanismos oncogênicos, possibilitando o surgimento do câncer”, diz.
Tumor de mama
O surgimento do tipo mais comum de tumor de mama pode estar associado ao tamanho reduzido das extremidades dos cromossomos de células específicas do tecido mamário. (foto: KGH/ Wikimedia Commons)
Apesar de todas as mulheres terem progenitores luminais com telômeros curtos, Gilley ressalta que, obviamente, nem todas terão câncer de mama. “Na maioria das vezes, quando a célula chega a um estado crítico de encurtamento de telômeros, ela morre. Isso é um mecanismo natural para impedir a geração do tumor”, explica. “Porém, em alguns casos, os progenitores luminais escapam dessa via de eliminação e, na falta de telômeros, sofrem as mutações que podem gerar o câncer.”
Apesar de todas as mulheres terem células progenitoras luminais com telômeros curtos, nem todas terão câncer de mama
Gilley observa que um diferencial do estudo é a análise do tecido mamário saudável para entender qual o pontapé inicial que origina o câncer. “Buscamos compreender como células saudáveis se tornam vulneráveis ao desenvolvimento de câncer”, acrescenta o geneticista, que, atualmente, estuda progenitores luminais de mulheres com câncer para entender como a célula se comporta quando a doença já está instalada.
Ainda que elucide a origem do câncer de mama em mulheres, o estudo não informa sobre a doença em homens. Em 2010, dos 12.852 brasileiros que morreram em decorrência do câncer de mama, 147 eram homens e, por ser raro, pouco se sabe sobre como o mal se desenvolve no sexo masculino. “Seria muito difícil fazer um estudo semelhante em homens, já que precisaríamos coletar tecido mamário saudável”, diz Gilley.

Outras origens

Embora o estudo tenha sido divulgado como a descoberta da origem do câncer de mama, o próprio Gilley esclarece que ainda há muito a ser pesquisado. “Nossa pesquisa dá indícios sobre a origem, mas existem muitos outros fatores envolvidos”, explica.
De acordo com a farmacologista Rosane Vianna-Jorge, do Instituto Nacional do Câncer, o câncer de mama é uma doença heterogênea e tem origem não só nas células luminais, mas também nas basais. “Os tumores de origem luminal são mais frequentes e correspondem a cerca de 70% dos casos, mas, em geral, apresentam melhor prognóstico”, diz. “Os tumores de origem basal, por outro lado, podem ser mais agressivos e representam um desafio na busca de novas estratégias terapêuticas.”
Apesar de investigar apenas a origem dos tumores das células luminais, o estudo permite compreender melhor o real papel dos telômeros no desenvolvimento do câncer de mama. “Os dados abrem novas perspectivas de estudo quanto aos genes e proteínas dependentes da função dos telômeros”, acrescenta Vianna-Jorge.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line

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