Números da OBMEP contrastam com o fraco desempenho dos brasileiros em avaliações nacionais e internacionais. Afinal, nossas escolas vivem um caso de amor ou desilusão com a matemática? (imagens originais: Flickr/ Léoo e ebertek – CC BY-NC-SA 2.0)
A primeira fase da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) reuniu, em 2013, quase 20 milhões de alunos de todo o país. Porém, os indicadores nacionais de educação levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Ideb) apontam que os estudantes ainda estão longe de viver um caso de amor com a disciplina. Essa aparente contradição reflete o sucesso e também as limitações do modelo da olimpíada, além de levantar questões sobre seu aproveitamento na melhoria do ensino e sobre o caráter midiático e político do evento.
Druck: “No geral, a realidade das escolas ainda é de grande aridez, tudo é muito chato para alunos e professores. A proposta da OBMEP sempre foi de criar um ambiente sofisticado, estimulante”
Para a matemática Suely Druck, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática e idealizadora da OBMEP, apesar dos casos de sucesso de diversas escolas do país e do conhecimento que trouxe sobre o ensino nacional, o projeto encontra-se estagnado e precisa se reinventar para impactar o ensino no país de forma mais ampla. Em palestra no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no dia 4 de junho, no Rio de Janeiro, ela falou sobre os nove anos de OBMEP e os desafios da educação brasileira.
“É claro que há exceções, mas, no geral, a realidade das escolas ainda é de grande aridez, tudo é muito chato para alunos e professores. A proposta da OBMEP sempre foi de criar um ambiente sofisticado, estimulante”, explicou. “O resultado das provas é fascinante, permitiu conhecer melhor as realidades de cada região, muitas traziam até recados claros, alunos que diziam ‘eu nunca tive aula de geometria’. Na primeira prova, por exemplo, descobriu que o país inteiro não sabia o que era perímetro”, avaliou.
Garimpo de talentos
Ao longo de sua trajetória, a olimpíada destacou casos de sucesso de jovens talentosos e professores dedicados por todo país. Para uma delas, a professora Jonilda Ferreira, maior incentivadora da OBMEP em Paulista, cidade do interior da Paraíba que conquistou 22 premiações em 2012, a competição é interessante para os alunos, pois foge ao normal. “Aulas tradicionais criam uma base, mas precisamos de outras formas de estimular os jovens”, avalia. “Nas aulas, procuro transformar farmácias, mercados e outros espaços em sala de aula. O aluno valoriza mais quando vê a aplicação daquilo.”
Outro destaque, a professora Maria Botelho, de Uberlândia, Minas Gerais, foi uma das educadoras com mais alunos premiados em todas as edições da olimpíada. A escola estadual Messias Pedreira, onde leciona, conta apenas com segundo grau e recebe alunos de toda cidade e de municípios vizinhos. Botelho conta que é comum os alunos chegarem sem gostar de matemática e sem muito contato com a OBMEP.
“É curioso porque são alunos inteligentes, que deveriam receber estímulo desde cedo e que já poderiam ter se destacado. A OBMEP é importante por identificar esses talentos que se perderiam”, avalia Botelho. “Nosso segredo é criar ambientes inspiradores, com a ajuda do exemplo e da liderança dos alunos já premiados. Buscamos estimular o raciocínio e incentivamos o aluno a se enxergar como um pesquisador”, explica.
Além desse ‘garimpo’, Suely Druck destaca que a OBMEP mostrou que é possível mobilizar os jovens em torno da matemática e apontou pontos sintomáticos do ensino no país, como o aumento da quantidade de provas em branco no segundo grau e a diminuição gradativa da participação feminina. “Talvez as provas em branco apontem um maior desinteresse, causado pela defasagem entre o que se sabe e o que se deveria saber”, cogita. “No caso das meninas, parece que o preconceito de que a matemática é para homens está mais introjetado nas mais velhas do que nas mais novas.”
Questões, possibilidades e soluções
A grande questão, para Druck, é que a olimpíada não modificou o panorama de ensino do país, como mostra o fraco desempenho dos estudantes em avaliações nacionais e internacionais. “A Prova Brasil, por exemplo, avalia o mínimo do mínimo e mesmo nela os resultados são ruins”, analisa. “Hoje eu não vejo nenhum projeto capaz de revolucionar o ensino nacional; a OBMEP é um projeto caro que tem repetido o mesmo modelo, de foco exagerado na prova”, acrescenta.
Druck defende uma renovação na OBMEP. Nesse sentido, ela destaca a importância do programa de iniciação científica que atende os alunos mais bem colocados na competição, o PIC, que visa estimular o interesse pela ciência e apresentar conhecimentos mais profundos de matemática. “Essa é a parte mais importante, atuar nas escolas, mas trabalhar com os alunos em geral. A prova é a festa, foto com o prefeito, desfile de políticos na cerimônia de entrega de prêmios”, avalia. “Especificamente, a ideia do PIC não é dar aula, mas estimular o debate, tornar a garotada autodidata, é a única alternativa para eles.”
Druck: “Essa é a parte mais importante, atuar nas escolas, mas trabalhar com os alunos em geral. A prova é a festa, foto com o prefeito, desfile de políticos na cerimônia de entrega de prêmios”
Outra possibilidade de aumentar o impacto da OBMEP seria, segundo Druck, atacar um conhecido ponto fraco: os livros didáticos, que considera ruins e inadequados. Para ela, o projeto poderia ajudar na produção de novos materiais, a exemplo dos produzidos pela equipe da OBMEP para o PIC, elogiados pelos professores.
Jonilda Ferreira concorda: “Os livros didáticos são muito fracos, deveriam ensinar o aluno a raciocinar. Acredito que a OBMEP poderia ajudar nisso."
Druck, Botelho e Ferreira também são unânimes ao defender a importância de estimular mais o professor, fundamental na olimpíada por coordenar o processo localmente, preparar os alunos e corrigir as provas da primeira fase, sem ganhar nada mais por isso. “Não são todos que se envolvem. O professor trabalha 40h, ganha R$ 2 mil, trabalha em casa e nos fins de semana para corrigir provas, preparar aulas... não dá pra exigir mais do que isso”, pondera Botelho.
Druck completa: “A olimpíada precisa entrar nas escolas e atrair esse professor, hoje ela pouco faz para motivar sua participação.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
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