domingo, 30 de junho de 2013

A ecologia de Marx


 
Antes mesmo da concepção de sustentabiliade e das preocupações ambientais modernas, Marx já escrevia sobre a necessidade de cuidados com a natureza. Para ele, o homem é parte integrante dela. Entretanto esses conceitos dividem opiniões até hoje.
SHuTTERSTOC
Reduzir o pensamento do economista e filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) ao materialismo dialético é um equí- voco, na visão de estudiosos contemporâneos. A reflexão sobre questões ecológicas não pode ser desprezada em seus escritos - ao lado de Friedrich Engels (1820-1895) - mas não é mais difundida e discutida por causa de interpretações enviesadas de muitos de seus discípulos e críticos e pela falta de contextualização dos seus estudos.
Contudo, quando o mundo ainda não tratava de sustentabilidade, Marx já falava, em ou- tras palavras, sobre a importância do consumo consciente e de uma economia equilibrada, da justiça social e da manutenção da qualidade do meio ambiente. Os conceitos expressos pelo filósofo remetem aos temas hoje muito discutidos, de desenvolvi- mento sustentável, Mudanças Climáticas e Aquecimento Global, que surgiram principalmente a partir dos anos 1970. O mote do modelo de desenvolvimento proposto, desde os primórdios da Revolução Industrial, no século XVIII, é considerado como um elemento importante a ser revisto no mundo contemporâneo, desde aquela época.
E é em O Capital (1867) que as reflexões de Marx sobre o tema se sobressaltam, aproximando-o de questões ambientais e ecoló- gicas, diante das quais podemos concluir que as discussões que assolam nossos dias e que abordam consumo excessivo e polui- ção, já eram uma preocupação para o filósofo, no século XIX. O termo ecossocialismo, segundo o cientista social bra- sileiro Michael Löwy, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris, tem seus fundamentos em alguns pensamentos de Marx sobre essa lógica do capital.
Sucena Shkrada Resk é jornalista e escreve para esta publicação
SHuTTERSTOCk
Xangai, a maior cidade da China. Ambiente dos trabalhadores nas grandes cidades era visto por Marx como "poluição universal"
Para ele, é justamente em O Capital, que o filósofo alemão afirmava que o sistema capitalista esgotava as forças do traba- lhador e da Terra. Marx, nesta exposição, trata, de certa forma, do conceito conser- vacionista, que vigora nos dias de hoje, de que a natureza não é algo intocado, como por muito tempo, os preservacionis- tas propuseram. Isso significa que o ho- mem é parte integrante do meio ambiente e deve ter um papel de guardião.
E o tema foi alvo de alguns estudos como o do cientista político e professor de Sociologia da Universidade de Oregon, John Bellamy Foster que escreveu o livro A Ecologia de Marx - Materialismo e Nature- za. Foster analisa que Marx utilizou a ótica do ateniense Epicuro (341 a.C - 270 a.C.) para atribuir uma concepção materialista de que a natureza só é percebida através dos nossos sentidos pela cognição, em um processo ao longo de nossas vidas.
Isso infere a prática da percepção unida à me- mória, ao raciocínio, juízo, imaginação e ao ato do pensamento e do discurso. Outra obra que aborda o assunto é História e Meio Ambiente, em que o mes- tre em Sociologia e doutor em História, Marcos Lobato Martins, diz que seria um equívoco colocar Marx entre os adeptos do paradigma de que os seres humanos estão imunes aos fatores ambientais, numa visão antropocêntrica.
A mesma análise é também feita por Foster. Ambos ilustram o trecho escrito pelo filósofo ale- mão em Manuscritos econômico-filosófi- cos, de 1844: "O homem vive da natureza, isto é, a natureza é seu corpo, e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à nature- za significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, porque o homem é parte dela". (MARX)
"O homem vive da natureza (.) e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer." (MARX)
Como base científica para explicar as relações sociais, Marx e Engels se debru- çaram sobre as pesquisas do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Em uma de suas cartas a Engels, Marx escreve em 1862, o seguinte, sobre a obra Origem das Espécies: "É notável como Darwin redesco- bre, no meio dos animais e plantas, a socie- dade da Inglaterra com as suas divisões de trabalho, competição, abertura de novos mercados 'invenções e a luta pela existên- cia malthusiana.
É a bellum omnium contra omnes de Hobbes' ". Marx acreditava que o cientista oferecia uma perspectiva materialista compatível a sua, embora aplicada a outro conjunto de fenômenos e fornecia uma base na ciência natural para a luta de classes. (Foster, 2005, p. 274, 275).
SUSTENTABILIDADE
O metabolismo representava, para Marx, um processo que vincula os seres humanos à natureza, por meio do trabalho. No volume 3 de O Capital, Marx afirma que o homem socializado e os produtores associados precisam governar a natureza de modo racional, por meio do controle coletivo em vez de um poder cego e gastar o mínimo de energia e em condições dignas à sua natureza humana. Pode-se dizer que esse pensamento se assemelhava naquele período ao que, futuramente, no século XX, se chamou dos preceitos da sustentabilidade.
Foster diz que, para Marx, a relação com a natureza era orgânica e ao mesmo tempo, inorgânica, pois transcendia fisicamente a própria 'matéria' humana e, por isso, fazia referência à natureza, como 'corpo inorgânico do homem'. Isso favoreceria a eliminação das concepções teleológicas pautadas na auto-alienação dos seres humanos, que seriam expressas na teologia cristã.
Em sua opinião, significava o princípio para se compreender a alienação material, dos seres humanos em relação à natureza no interior da produção. Marx intitulava esse processo de metabolismo (Stoffwechsel) da humanidade com a natureza, através da produção. Para sustentar seus argumentos, o filósofo também criticou a teoria de Thomas Malthus (1766-1834) de que a população humana crescia por pro- gressão geométrica até sofrer limitações externas. O que faltava na análise mal- thusiana, segundo Marx, era reconhecer o caráter histórico e social da reprodução humana, como um elemento relevante.
POR SUCENA SHKRADA RESK

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